Nem toda generosidade é virtude. Algumas formas de cuidado nascem da culpa, outras da necessidade de controle. Há quem escute demais, acolha demais, ofereça demais. E, de tanto se doar, vai sumindo. Fica cada vez mais difícil saber onde o outro termina e onde esse sujeito começa. Relações assim não adoecem de gritos, mas de silêncios: silêncios de si, disfarçados de presença constante para o outro.
Esse tipo de exaustão relacional não é facilmente reconhecível. Porque se esconde sob o verniz da bondade. A pessoa que sempre “está lá” se torna imprescindível, mas nunca é cuidada. Não por maldade dos outros, mas porque ela mesma aprendeu a negar suas necessidades como forma de se fazer amada. A lógica é: “se eu for útil, não serei abandonado”.
Na psicanálise, essa posição tem raízes precoces. Crianças que se viram emocionalmente responsáveis por adultos instáveis, pais doentes ou ambientes caóticos acabam desenvolvendo um radar afetivo hiperativo. Tornam-se especialistas em prever o que o outro precisa, mesmo que isso custe a própria integridade. É o sujeito que antecipa, acolhe, compreende, mas que raramente se sente realmente visto.
Há, nisso, um tipo específico de narcisismo: o narcisismo do apagamento. A ilusão de que ser necessário ao outro substitui a dor de não ter sido desejado como sujeito inteiro. Assim, a intimidade vira desempenho. A escuta vira anestesia. O cuidado vira fuga. E a relação, embora pareça profunda, se sustenta sobre o desamparo não dito de quem está sempre cuidando.
O problema é que ninguém sustenta isso por muito tempo sem adoecer. Uma hora o corpo cobra. A alma cobra. E surge o cansaço sem nome, a irritação sem motivo, a vontade de sumir. Porque o excesso de doação sem reciprocidade não vira amor, vira invisibilidade. E o invisível, cedo ou tarde, implode.
Como reconhecer se a sua forma de cuidar está te esvaziando
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