Há uma dor que não ensina — apenas insiste. Relações que se repetem com nomes diferentes. Ciclos que se fecham sempre no mesmo ponto. Escolhas que parecem novas, mas têm o mesmo cheiro de fim. Há sujeitos que, mesmo conscientes do próprio padrão, seguem girando em torno do mesmo abismo. Como se soubessem que vão cair — e ainda assim caminhassem em direção ao buraco. Não por ignorância, nem por masoquismo. Mas porque há uma fidelidade secreta à cena primitiva da dor. Como se a repetição fosse a única forma de continuar pertencendo à própria história.
Freud, em 1920, no célebre Além do Princípio do Prazer, nomeia esse fenômeno como “compulsão à repetição”. O sujeito retorna incansavelmente a experiências penosas que, em tese, já deveriam ter sido superadas. Reencontra os mesmos tipos de parceiros, reproduz os mesmos conflitos, se sabota nos mesmos momentos. Não é uma busca pelo prazer, mas pela familiaridade. Há algo do trauma inicial que não foi simbolizado — e que, por isso, insiste em retornar sob novas roupagens.
A questão não é apenas o que se repete, mas de onde se repete. Lacan reformula a equação: o que se repete não é a cena externa, mas a posição subjetiva diante dela. O sujeito se fixa em uma configuração psíquica — por exemplo, o lugar de quem é sempre preterido, ou sempre abandonado, ou sempre responsável pela dor do outro — e tudo que acontece dali em diante é apenas atualização dessa matriz. Mesmo que o enredo mude, o lugar no palco permanece.
A repetição é, assim, uma forma de congelar o tempo. De manter o trauma vivo, ainda que de forma degradada. O fracasso, nesses casos, não é acidente — é estrutura. E não raro, é também identidade. Há sujeitos que não sabem quem seriam sem essa dor. Tornaram-se especialistas em lidar com rejeição, com ausência, com desprezo. E por isso, quando algo começa a dar certo, sabotam. Quando alguém os trata bem, recuam. Quando há chance de paz, estranham. Porque o amor saudável, para quem se acostumou com o caos, soa como ameaça.
Como desmontar a lógica da repetição: um protocolo simbólico em cinco gestos
Nomear a cena primitiva
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