A serenidade do não saber: Montaigne, controle e a coragem de viver em movimento

A maioria das pessoas imagina que a paz é fruto de um mundo sob controle, onde cada detalhe se encaixa e cada resposta é clara. Mas a vida, como bem advertiu Michel de Montaigne em seus Ensaios, não respeita roteiros. Ela escapa, desmancha, desorganiza. E o que chamamos de angústia muitas vezes é apenas o desespero de tentar impedir o inevitável: a mudança constante do que somos, queremos e sentimos. Montaigne, em pleno século XVI, entendeu que o maior veneno não é a incerteza, mas a recusa em aceitá-la.

Ele escreveu não como quem ensina, mas como quem investiga o próprio abismo. Sua pergunta obsessiva — “Que sei eu?” — não buscava certezas, mas libertava da tirania de tê-las. Seu método era a dúvida: olhar para dentro, reconhecer contradições, admitir ignorância como gesto de humildade e força. Ele intuiu o que a psicologia moderna, de Carl Rogers a Irvin Yalom, confirmou: só quando deixamos de exigir coerência absoluta de nós mesmos, abrimos espaço para a mudança real.

A obsessão pelo controle é uma armadilha do narcisismo, como demonstrou Freud em Introdução ao narcisismo. Quando queremos que o mundo siga nossas expectativas, projetamos nele nossa fantasia de onipotência. E qualquer desvio nos fere como uma afronta pessoal. Essa postura não fortalece, adoece. Ela faz da ansiedade um estado permanente, pois nunca haverá garantias para a mente que exige previsibilidade. Montaigne nos convida a aceitar a fluidez do mundo como condição de liberdade: “O homem mais sábio é aquele que sabe mudar com as coisas que mudam.”