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O consumo como identidade: quem era você na fila do Tamagotchi?

O consumo como identidade: quem era você na fila do Tamagotchi?

Como desejos infantis foram moldados por mercadorias e a subjetividade se confundiu com o que se podia comprar

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abr 25, 2025
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O consumo como identidade: quem era você na fila do Tamagotchi?
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Toda infância é também uma vitrine. E toda criança, cedo ou tarde, aprende que desejar é consumir. Não por acaso, as memórias mais marcantes de quem cresceu nos anos 90 e 2000 são inseparáveis de produtos: o tênis da moda, o lanche premiado, a mochila do momento, o estojo de 24 cores, o chaveiro virtual que precisava ser alimentado de hora em hora. Ter ou não ter era uma questão de pertencimento simbólico — e de validação subjetiva.

Na fila do Tamagotchi, ninguém queria apenas o brinquedo. Queria ser alguém naquele microcosmo afetivo escolar. Queria estar por dentro, fazer parte, ganhar relevância. O desejo não era pelo objeto em si, mas pelo que ele representava: acesso, pertencimento, visibilidade. O Tamagotchi, como o Game Boy, o tênis Pump, o Pog, o Walkman ou o tênis de rodinha, era um passaporte para o coletivo. Um signo de status entre crianças que mal sabiam escrever, mas já sabiam performar consumo.

Baudrillard já dizia que, no capitalismo tardio, não consumimos coisas — consumimos significados. E as crianças, muitas vezes tratadas como sujeitos “puros” ou “inocentes”, já estão profundamente inseridas nessa lógica. Elas desejam aquilo que representa. Aquilo que simboliza. Aquilo que as torna visíveis. É a primeira alfabetização simbólica: sou aquilo que posso ter.

A escola, nesse contexto, vira palco de exibição material. A mochila mais cara. A lancheira da marca. O estojo de três andares. O brinquedo que acabou de lançar. E, do outro lado, o constrangimento silencioso de quem não pode. Quem traz o lanche simples. Quem não ganha presente no Dia das Crianças. Quem assiste de longe os colegas comparando suas posses. O consumo, ali, já performa exclusão — e a vergonha passa a se instalar cedo, com cheiro de merenda e som de recreio.

Mas o que começa como comparação infantil vira, com o tempo, estrutura subjetiva. O adolescente que colecionava figurinhas agora coleciona likes. O jovem que media seu valor pela mochila da Kipling agora mede pelo celular, pela roupa, pelo corpo. A criança que queria o Tamagotchi para se sentir incluída agora quer o carro, o curso, o apartamento, a viagem. A lógica permanece: sou aquilo que consigo mostrar.

E o mais perverso é que essa estrutura de consumo não produz apenas desejo — ela produz angústia. Porque o desejo é móvel, mutável, infindável. Sempre há algo melhor, mais novo, mais desejado. E quando o eu está colado ao que possui, cada ausência se torna ameaça identitária. A falta não é apenas material — é ontológica. Não ter é não ser.

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