O medo de ser um peso: a dificuldade contemporânea de ocupar o lugar da necessidade

I. O elogio da autossuficiência

Vivemos numa época que venera quem não precisa. O sujeito ideal contemporâneo é leve, fluido, bem resolvido, emocionalmente estável, indiferente ao caos. E, sobretudo, não demandante. No mercado dos afetos, quem sente demais é visto como investimento de risco. Por isso, muitos aprendem a desejar sem mostrar, a sofrer sem sinalizar, a se relacionar sem incomodar.

Mas essa leveza admirada é, muitas vezes, a expressão de um recuo subjetivo. Como se o afeto tivesse que acontecer apenas no espaço que sobra. Como se a dignidade estivesse no silêncio da dor bem administrada. O resultado é uma geração treinada para parecer saudável demais. E, no fundo, cada vez mais isolada.

II. O gozo do apagamento

A psicanálise nos lembra que não é só o desejo que move o sujeito. O medo de ser um incômodo também o constitui. Muitos aprendem, desde cedo, que expressar necessidade é perigoso. Gera afastamento, rejeição ou punição simbólica. Freud chamaria isso de recalque originário. Lacan falaria da estrutura imaginária que nos forma diante do olhar do Outro. Winnicott revelaria o falso self se estruturando no bebê que se molda ao ambiente para não ser abandonado.

Adultos marcados por esse tipo de formação se tornam excelentes em não incomodar. São os que sempre resolvem sozinhos. Que não querem dar trabalho. Que já aprenderam a se virar. Mas por trás da eficiência emocional, muitas vezes, há uma solidão crônica sustentada por medo. O medo de que, ao precisar demais, sejam deixados.

III. A gramática da leveza emocional