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O moralismo do cansaço: a obscenidade do sujeito que se orgulha de estar à beira do colapso

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jul 06, 2025
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O moralismo do cansaço: a obscenidade do sujeito que se orgulha de estar à beira do colapso
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O cansaço contemporâneo não é apenas sintoma; é sistema. Não se trata de indivíduos que “exageram” por fraqueza pessoal, mas de uma engrenagem que exige exaustão como condição de pertencimento. Somos convocados a demonstrar dedicação total e irrestrita a tarefas que frequentemente não nos dizem respeito em essência, mas nos constituem socialmente: a identidade do sujeito moderno está alicerçada na quantidade de funções que consegue acumular antes do esgotamento final. Você não é alguém por suas ideias ou singularidade — é pela quantidade de abas abertas no navegador mental.

Aí se revela a perversidade: a lógica do desempenho cria o mito do “esforço redentor” enquanto elimina qualquer possibilidade real de libertação. O trabalhador exausto é celebrado como herói, mas descartado como máquina defeituosa quando seu corpo sucumbe. E a farsa prossegue, pois há sempre outro disposto a tomar seu lugar na fila do sacrifício. Nesse ciclo, o que chamamos de “liberdade” é apenas a liberdade de escolher o modo de morrer lentamente.

Freud nos ensinou que o sintoma sempre carrega um ganho secundário. No caso do cansaço, esse ganho é a aura de importância: quem não tem tempo, supostamente, é porque é imprescindível. Esse narcisismo da utilidade impede que reconheçamos a brutalidade do processo — afinal, quem ousaria abrir mão de parecer indispensável num mundo em que existir é sinônimo de ser visto?

Byung-Chul Han fala do “homem de desempenho” como a metamorfose do sujeito disciplinar, mas é preciso ir além: o cansaço atual não é apenas consequência, é discurso. Ele produz sentido, molda narrativas, legitima identidades. Não se trata apenas de trabalhar muito, mas de ser visto trabalhando muito — daí o exibicionismo do burnout, o fetiche da agenda lotada, a ostentação das madrugadas produtivas no LinkedIn.

A moral do cansaço cumpre ainda um papel político: enquanto o sujeito permanece enredado na tarefa infinita de provar seu valor, não sobra energia para questionar as estruturas que o escravizam. A sobrecarga funciona como distração permanente: o esgotado não protesta, apenas implora por mais recursos para continuar se exaurindo. A crítica ao sistema se torna impensável, pois o sujeito teme que desacelerar revele não apenas a sua fadiga, mas a futilidade de todo o seu sacrifício.

Nesse sentido, o cansaço deixa de ser individual e se torna código coletivo: um idioma do esgotamento que aprendemos desde cedo, reforçado por pais que confundem disciplina com autoabandono, escolas que premiam quem não erra nunca e empresas que transformam ansiedade em combustível de lucro. A cultura da superação, idolatrada como virtude, nada mais é que a anestesia perfeita contra qualquer desejo de emancipação.

Pergunte-se: por que você se orgulha de não ter tempo? A quem serve esse orgulho? E se sua sensação de importância fosse apenas a moldura dourada de uma servidão que você chama de sucesso?

Para começar a rasgar essa moldura:

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