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O Outro que Somos para Nós Mesmos

O Outro que Somos para Nós Mesmos

A estranheza interna, o sujeito dividido e a alteridade no espelho do eu

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abr 15, 2025
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I. Introdução: Estranhos em casa

Há uma experiência que nos atravessa em silêncio, mas que nunca nos abandona: a sensação de não sermos totalmente um. Um eco. Um descompasso. Um movimento em falso entre o que pensamos, o que dizemos e o que sentimos. Como se houvesse sempre alguém em nós que observa, corrige, censura ou simplesmente… não reconhece.

Essa experiência não é patológica. É constitutiva.

Somos, cada um de nós, o Outro de nós mesmos.

E essa é uma das chaves mais perturbadoras — e fecundas — da existência subjetiva.

II. Lacan: o sujeito barrado e a verdade no inconsciente

Para Jacques Lacan, o eu é uma construção imaginária. O sujeito, em sua formulação estrutural, está irremediavelmente barrado — dividido entre o que aparece na superfície (o “eu” imaginário) e o que o constitui em profundidade (o desejo inconsciente). Aquilo que chamamos de identidade é, portanto, uma ficção necessária.

No interior de cada um habita um Outro — estruturado pela linguagem, moldado pelo desejo, atravessado pela falta. Não somos donos daquilo que dizemos. E frequentemente não dizemos aquilo que somos. A fala escapa, o ato trai, o sintoma revela.

O sujeito lacaniano é assim: marcado por uma ausência irredutível, sempre descentrado de si mesmo, condenado a buscar no Outro — o grande Outro da linguagem, da cultura, do amor — a confirmação de sua existência. Mas esse Outro nunca responde como gostaríamos. Nunca entrega o que falta. E é nesse intervalo entre o que somos e o que cremos ser que nasce a estranheza essencial.

III. Fernando Pessoa: “Não sou nada. Nunca serei nada…”

Poucos traduziram com tanta precisão essa cisão radical quanto Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos e da multiplicidade. Sua escrita é a dramatização lírica do sujeito dividido — não apenas porque assume vozes distintas, mas porque reconhece que não há unidade possível.

“Tenho em mim todos os sonhos do mundo” — mas também todos os abismos.

“Não sei sentir. Não sei ser.”

Pessoa é aquele que se multiplica para tentar se encontrar — e falha gloriosamente. Cada heterônimo é um modo de experimentar o eu como alteridade. Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro — todos são o outro de si. E, como ele escreve, “sou a periferia de um centro que não existe”.

Essa percepção não é apenas poética. É ontológica. Ela desvela uma estrutura do ser: o eu não se encontra no centro, mas na borda. Naquilo que escapa. No que nos desorganiza.

IV. Winnicott: o falso self como defesa contra o vazio

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