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Por que repetir é mais fácil do que desejar: a vida que gira em torno do mesmo erro

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jun 18, 2025
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Por que repetir é mais fácil do que desejar: a vida que gira em torno do mesmo erro
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Você jura que aprendeu. Promete que, desta vez, será diferente. Apaga o número, bloqueia os acessos, muda o caminho de volta pra casa. Mas quando percebe, está lá de novo. Um novo nome com o mesmo desfecho. Um novo vínculo com a mesma fome. A repetição não se anuncia — ela se disfarça de recomeço.

Repetir é mais fácil do que desejar. Porque desejar exige abrir mão do conhecido, romper com o familiar, suportar o vazio entre o que já se teve e o que ainda não se sabe querer. Repetir é reconfortante. Mesmo quando dói. A dor conhecida tem cheiro de lar. Já o desejo desorganiza, desorienta, desloca o sujeito da narrativa que ele decorou desde a infância.

Freud chamou de compulsão à repetição esse impulso de reviver o que já fracassou, mesmo à revelia do prazer. Não é busca por satisfação. É insistência no trauma. O que retorna não é o fato — é a estrutura. O sujeito repete não por ignorância, mas por fidelidade inconsciente ao gozo de origem. Aquela dor primeira que nunca encontrou palavra, nunca se simbolizou, nunca virou luto. O trauma que, não tendo sido metabolizado, se reencena.

Lacan aponta que o inconsciente se estrutura como linguagem — e o que não se inscreve simbolicamente retorna como real. A repetição é a gramática do que não se diz. Por isso ela se impõe, mesmo contra a razão. O sujeito sabe que vai sofrer. Mas prefere o sofrimento que reconhece à incerteza de desejar algo novo.

Há um tipo de gozo em repetir. Não um prazer evidente, mas uma espécie de satisfação cruel, subterrânea, que confirma aquilo que o sujeito já espera do mundo: ser rejeitado, ser traído, ser deixado. O sofrimento se transforma em prova. A dor confirma a teoria. O mundo segue como deveria — hostil, previsível, repetido.

Na clínica, isso se revela com clareza. Relações abusivas que se sucedem com lógica quase matemática. Escolhas profissionais que reproduzem humilhações antigas. Amizades que terminam sempre no mesmo ponto. A vida se desenrola como uma peça mal ensaiada, onde o desfecho é conhecido desde o primeiro ato.

É que desejar implica autoria. E autoria dá vertigem. O autor não pode se esconder atrás do “de novo”. O autor é responsável pelo inédito. Assumir o desejo é enfrentar a angústia de não saber como será. Por isso, para muitos, é preferível repetir. Mesmo que doa. Mesmo que destrua. Porque ao menos é familiar.

E mais: a repetição absolve. O outro é sempre o culpado, o mundo é sempre injusto, o destino é sempre cruel. O desejo, não. O desejo exige implicação. Exige o reconhecimento de que, em algum nível, o sujeito sustenta a própria prisão — não por gosto, mas por estrutura.


  1. Reconheça o roteiro.

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