Algumas dores não têm causa. Algumas fases não têm lição. Alguns dias não têm epifania. E, mesmo assim, vivemos. Mas há uma compulsão contemporânea por transformar cada afeto em insight, cada fracasso em recomeço, cada sofrimento em trampolim. Como se a existência precisasse o tempo todo justificar sua dor com algum tipo de utilidade. Como se a experiência bruta de viver não fosse digna sem legenda.
Esse vício pelo sentido é um refinamento do narcisismo moderno: só vale o que vira conteúdo. O luto vira superação, a solidão vira produtividade, a crise existencial vira vídeo motivacional. A dor é aceitável, desde que venha com narrativa. Preferimos uma mentira simbólica do que o contato com o absurdo real de existir sem roteiro.
A psicanálise, no entanto, nos convoca a suportar o não-sentido. Freud falava da angústia como uma afecção sem objeto. Lacan, do real como aquilo que escapa à simbolização. Camus, do absurdo como o ponto em que o homem confronta o silêncio do mundo. Em outras palavras, há momentos em que não há para quê. Só há o que há.
O problema não é buscar sentido. O problema é exigir que tudo tenha um. Essa exigência destrói a gratuidade dos afetos, esteriliza o caos necessário da vida psíquica e transforma o sofrimento em tarefa. Quem sofre demais começa a se culpar por ainda não ter aprendido o que deveria. Como se o sintoma fosse fracasso moral. Como se estar perdido fosse imperdoável.
Mas há potência em não entender. Há dignidade em não saber. Há humanidade em simplesmente continuar. Nem toda dor precisa ser convertida em metáfora. Nem todo vazio pede preenchimento. Às vezes, o que sustenta o sujeito não é a verdade encontrada, mas o espaço criado para continuar perguntando.
Como se libertar da compulsão por sentido
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