Will Byers: o menino que sente demais
Sobre o corpo delicado, o silêncio doloroso e a doçura reprimida em uma cultura que premia quem bate e pune quem ama com ternura
Will desaparece logo no início de Stranger Things, mas o que se apaga ali não é só um menino — é um modo de ser. Quando ele volta, não retorna o mesmo. O corpo está intacto, mas a subjetividade foi atravessada por algo inominável. A série chama isso de “Mundo Invertido”, mas na verdade o que vemos é a metáfora da cisão psíquica: o trauma de existir sensível em um universo que exige dureza.
Will não grita. Will não lidera. Will não conquista garotas. Will não se impõe. Ele sente. Ele percebe o invisível. Ele chora escondido, desenha monstros, gosta de brincar com os amigos quando todos já querem performar masculinidade. Will é, como diria Freud, um sujeito à flor da pele — e essa pele, por ser fina demais, vira alvo. É chamado de “estranho”, “viado”, “esquisito”, muito antes de ter qualquer chance de nomear seu próprio desejo.
A cultura da série, ambientada nos anos 80, é atravessada pela homofobia simbólica. Os garotos devem gostar de garotas. Devem brigar, vencer, competir. Will não se encaixa. Sua doçura é um erro. Sua introspecção, um defeito. E por isso, mesmo entre os amigos, ele vai se tornando invisível. Não porque o odeiem — mas porque não sabem escutá-lo. Não sabem o que fazer com sua tristeza, com sua sensibilidade, com o fato de ele ainda desejar vínculos afetivos, quando o grupo já deseja status.
Lacan falaria de Will como aquele que encarna o desejo que não encontra significante. Ele deseja ser visto, acolhido, tocado — mas não sabe dizer isso. E ninguém pergunta. O que sobra é o silêncio. Um silêncio habitado. Um silêncio que dói. Um silêncio que não é vazio — é excesso. Will não é frágil. Ele é forte demais para um mundo que só reconhece força como agressão.
O ápice da tragédia de Will é sua relação com Mike. O melhor amigo, o grande amor não-nomeado. Will o ama — com ternura, com presença, com espera. E é exatamente esse amor que nunca poderá ser dito. Porque o amor de Will não é performativo. Não é sexualizado. É amor que cuida, que sofre, que se alegra com a presença do outro. É o amor do menino que desenha o grupo como super-heróis e se coloca no centro não por ego, mas por saudade.
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